Durante a última década, a Câmara Municipal de Lisboa divulgou rotineiramente informações pessoais de defensores de direitos humanos a vários regimes repressivos, expondo-os e suas famílias a um perigo incalculável.
A prática foi exposta na sexta-feira depois que um grupo de dissidentes russos revelou no início desta semana que as autoridades da cidade haviam compartilhado suas informações pessoais com a embaixada russa e o Ministério das Relações Exteriores em Moscou.
Depois de inicialmente descartar o incidente como um acidente burocrático, as autoridades da cidade admitiram na sexta-feira que de fato fazia parte do procedimento operacional padrão da Prefeitura: desde 2011, as autoridades da cidade forneceram nomes, números de identificação, endereços residenciais e números de telefone de ativistas para países que apoiam manifestantes. foram destinados.
As autoridades obtiveram as informações por causa de uma portaria local que exige que os ativistas que planejam realizar protestos forneçam essas informações pessoais à Prefeitura, que as encaminha para os policiais encarregados de garantir que os eventos sejam realizados em um ambiente seguro.
Mas a descoberta de que essas informações também foram compartilhadas com regimes repressivos – incluindo Angola, Venezuela e China – surpreendeu e consternou grupos dissidentes baseados em Lisboa, que agora temem que seus principais membros possam se encontrar na mira de governos estrangeiros.
E desafia o estatuto de Portugal como paraíso para os exilados políticos, bem como a sua reputação de país que defende a liberdade de expressão. O prefeito de Lisboa já está enfrentando pedidos de renúncia, e os ativistas internacionais de direitos civis do país estão lamentando a mancha que temem que isso deixe na percepção global de Portugal.
“Descobri esta manhã e estou francamente chocada”, disse Alexandra Correia, coordenadora do Grupo de Apoio ao Tibete de Portugal, que disse ao POLITICO que as suas informações pessoais foram partilhadas com a embaixada chinesa em abril de 2019 depois de receber autorização para Rally a favor do 11º Panchen Lamadetido pelas autoridades chinesas desde 1995.
“É particularmente bizarro porque o nosso protesto ocorreu no Largo de Camões, que não fica perto da embaixada chinesa, pelo que a câmara municipal nem pode alegar tê-los informado por razões de segurança”, disse Correia.
A ativista disse que a revelação a surpreendeu e assustou sua filha, que agora se preocupa com o que pode acontecer com familiares no Tibete, onde as autoridades chinesas ainda praticam a pena de morte.
“Esta situação não pode ser descartada como um percalço burocrático”, disse Correia, acrescentando que se juntaria a outros grupos dissidentes para pressionar a Prefeitura a agir sobre suas ações. “É uma grave violação da minha privacidade, dos meus direitos fundamentais como europeu e é inaceitável que isso esteja acontecendo em um país democrático dentro da União Europeia”.
Ao lado de Correia, representantes do Comitê de Solidariedade com a Palestina disseram à mídia portuguesa que também descobriram que suas informações foram compartilhadas com a embaixada israelense. Este grupo expressou preocupação sobre como os serviços de inteligência israelenses podem rastrear seus membros, citando um Artigo do Haaretz Reportagem no banco de dados do Mossad de ativistas se manifestando contra o governo israelense.
“Constrangimento Nacional”
O escândalo em torno das práticas de compartilhamento de informações de Lisboa colocou o prefeito Fernando Medina em uma posição política delicada apenas quatro meses antes das eleições municipais da cidade.
Na quinta-feira, o candidato conservador da oposição Carlos Moedas – ex-comissário da UE para Pesquisa e Ciência – exortou Medina a renunciar sobre o incidente. O presidente português Marcelo Rebelo de Sousa chamou as revelações de “profundamente lamentáveis” e disse que em uma nação democrática todos merecem ter seus direitos fundamentais respeitados.
Medina competiu na emissora nacional RTP na noite de quinta-feira pedir desculpas publicamente para o que ele viu como um “erro burocrático”, que ele disse ser o resultado do cumprimento da cidade com “leis ultrapassadas”. Apesar de acusar a oposição de usar o escândalo para ganhar “alavancagem política”, o prefeito reconheceu que os procedimentos internos da Prefeitura precisariam ser alterados para garantir que a situação nunca se repetisse.
Pedro Neto, diretor executivo da subsidiária portuguesa da Amnistia Internacional, disse que a mudança de procedimentos não foi suficiente e exortou Lisboa a ir mais longe para proteger aqueles que coloca em “grave perigo”.
“Protestos contra a detenção de milhões de uigures na China estavam ocorrendo em Lisboa, e a prefeitura deu à Embaixada da China a informação não só para localizar os organizadores aqui em Portugal, mas também para rastrear suas famílias na China”, disse net. “É inacreditável que nosso governo tenha sido cúmplice dessa repressão.”
Neto disse que a cidade de Lisboa agora tem a obrigação moral de realizar uma revisão abrangente de todos os dados compartilhados com potências estrangeiras e informar quaisquer ativistas denunciados. “É claro que tanto os nossos ministérios do Interior como os das Relações Exteriores devem estar envolvidos para garantir a proteção dos afetados em Portugal e o bem-estar de suas famílias no exterior”.
O diretor da Amnistia Internacional qualificou o caso de “constrangimento nacional” e disse que reforça a impressão de que Portugal é apenas um “pequeno país sujeito a gigantes económicos”.
“Assim como Lisboa falhou em defender os direitos humanos aqui, nossos líderes nacionais não o fizeram durante seu mandato como presidente do Conselho da UE”, acrescentou Neto, referindo-se ao mandato de Portugal como presidente rotativo do Conselho da UE, que termina em julho.
“Poderíamos ter sido porta-estandartes dos direitos humanos e dos valores fundamentais da UE, mas em vez disso mantivemos um perfil baixo e agora estamos terminando nossa presidência com esse escândalo em casa”.
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